Alma em flor
"Folhas amarelas, vermelhas e ocres descem devagar, como se soubessem que o frio está vindo e que é hora de parar"
Pe. José Carlos Ferreira da Silva[1]
Passando pelas ruas de Ibatiba no final do outono, vejo as árvores se despirem em silêncio. Folhas amarelas, vermelhas e ocres descem devagar, como se soubessem que o frio está vindo e que é hora de parar. Elas se recolhem, economizam energia, protegem-se. Não é rendição — é sobrevivência.
A natureza é sábia: quando os recursos ficam escassos, as árvores cortam o que gasta demais. Deixam as folhas caírem, reduzem o metabolismo, armazenam nutrientes no interior do tronco, como quem diz: "Não agora. Depois."
Mas entre essas árvores discretas e contidas, uma faz o oposto. Justo ela: o ipê.
Enquanto todas recuam, ele avança. Quando o solo está seco, o ar rarefeito, e a paisagem parece suspensa entre o fim e o nada — o ipê floresce. Explode em cor. Amarelo, roxo, rosa — como se ignorasse o calendário das outras árvores. Como se dissesse: "Eu não espero abundância. Eu sou o milagre no meio da escassez."
E aí eu penso: talvez a alma humana seja um pouco ipê.
Tem dias em que tudo dentro da gente está estéril. Sonhos murchos. Força mínima. Por fora, silêncio. Por dentro, cansaço. O natural seria recuar. Esperar o inverno passar. Mas às vezes, como o ipê, algo em nós resolve florescer mesmo assim.
A beleza não vem porque tudo está bem. Vem porque a alma, mesmo ferida, encontra uma brecha para a esperança. É uma coragem silenciosa — não de resistir ao tempo ruim, mas de fazer dele um palco para o impossível.
O ipê não ignora a seca. Ele floresce apesar dela. E talvez seja isso que ele ensina: que o verdadeiro florescimento não acontece quando tudo ao redor é fértil — mas quando, contra todas as previsões, a gente ainda encontra motivo para florir.
No final do outono, quando as outras árvores caem para dentro, o ipê levanta a cabeça e se enche de cor.
E quem olha pensa: "como pode?"
Mas a alma entende: é preciso florir mesmo quando ninguém espera. Mesmo quando tudo parece dizer "agora não".
Como o ipê: firme, florido e de pé. No tempo errado — e por isso mesmo, tão certo.[1] É autor do livro Feridas Invisíveis: a realidade do sofrimento psíquico em padres e pastores decorrente da prática pastoral- Editora Dialética. É Mestre em Ciências da Religião, Jornalista e Psicólogo. Atualmente é Vigário Episcopal para Comunicação da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim e Pároco da Paróquia Nosso Senhor dos Passos, bairro Independência, Cachoeiro de Itapemirim.
[1] É autor do livro Feridas Invisíveis: a realidade do sofrimento psíquico em padres e pastores decorrente da prática pastoral- Editora Dialética. É Mestre em Ciências da Religião, Jornalista e Psicólogo. Atualmente é Vigário Episcopal para Comunicação da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim e Pároco da Paróquia Nosso Senhor dos Passos, bairro Independência, Cachoeiro de Itapemirim.
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